quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Em Florianópolis, com quase metade da população no topo da pirâmide de renda, só não há mais iates por falta de marinas, uma das maiores queixas na capital

Os ‘sem-lancha’ da cidade classe A



Demanda reprimida. Mané Ferrari, presidente da associação local de marinas, diz que número de embarações poderia dobrar imediatamente.
Foto: Pedro Kirilos
Demanda reprimida. Mané Ferrari, presidente da associação local de marinas, diz que número de embarações poderia dobrar imediatamente. Pedro Kirilos

FLORIANÓPOLIS E RIO — A capital de Santa Catarina vive situação inusitada: ao mesmo tempo em que cada vez mais moradores querem novas marinas — a frota de 1.700 lanchas e iates poderia dobrar imediatamente se a ilha contasse com estruturas adequadas —, Florianópolis é a única capital que, até agora, não contou com qualquer empreendimento do popular programa “Minha Casa, Minha Vida”. Esse é o melhor retrato de algo que foi detectado nos números da Fundação Getulio Vargas (FGV). A cidade tem a maior proporção de ricos entre as capitais. Com 27,7% de sua população na classe A (contra 19,5% do Rio e 17,7% de São Paulo) e 41,6% na classe A/B (contra 28,8% no Rio e 27,1% em São Paulo). Lá estão mais evidentes os desafios de um país emergente, como o Brasil, com características de nação rica, tema da série de reportagens que O GLOBO iniciou ontem.
— Hoje ter um barquinho é desejo de muitos aqui, virou apetrecho familiar. E você vê, um barco de 23 pés custa R$ 80 mil, você gasta uns R$ 500 por mês de manutenção e a cada seis meses R$ 250 para revisão do motor. Hoje só não temos mais barcos aqui porque não tem marinas, a legislação ambiental proíbe novas estruturas, mas estamos lutando por isso — afirmou Mané Ferrari, presidente da Associação Catarinense de Marinas, Garagens Náuticas e Afins (Acatmar).
Uma série de fatores contribui para que a cidade se transformasse de fato em uma “Ilha da Magia”. Além de ser a capital de um dos estados mais ricos do país, Florianópolis concentra as atividades administrativas, de serviços e universidades — a cidade também é a capital com maior número de pessoas que concluiu o terceiro grau no país e a com maior número de conexões de internet. A ilha tem mais de 60% de sua área protegida, mantendo a natureza e impedindo a ocupação desordenada. Assim, suas praias atraíram ricos de outros estados, como paulistas e gaúchos, que buscaram a região por qualidade de vida. E a população é pequena: 420 mil habitantes.
Florianópolis representa um movimento que ocorre em todo o país. O mercado de luxo é um dos que mais cresce. De acordo com Fernanda Della Rosa, economista da Fecomércio-SP e diretora da Della Rosa Consultores, o consumo de alto luxo vai passar dos R$ 18,8 bilhões registrados no ano passado para R$ 22 bilhões em 2012, uma alta de 17% — dez vezes mais veloz que a expansão do PIB brasileiro. Este fenômeno veio para ficar, diz Fernanda:
— As bases para o avanço do crescimento das classes B e A são sólidas. E este público é exigente e busca novas experiências — disse a consultora, lembrando que classe B são famílias com renda mensal per capita de R$ 7 mil a R$ 11 mil e, acima disso, está a classe A.
No total, segundo a Fecomércio-SP, as classes A e B hoje têm poder de compra total de R$ 961 bilhões. Em 2020, alcançará impressionantes R$ 1,7 trilhão
BEVERLY HILLS “CATARINENSE
Andrea Druck, diretora da Habitasul, empresa que criou o bairro de Jurerê Internacional, vê uma invasão de novos moradores ricos, muitos de outros estados, nas belas mansões do bairro. Hoje, cerca de 60% das vendas de imóveis de luxo na cidade são para moradores e não para turistas, ao contrário do que ocorria antes no bairro, antes muitos mais de veraneio, justo no local que já foi alvo de muitas ações por seu polêmico licenciamento ambiental.
— O problema não é ser rico, o problema é ser pobre. Devemos ter isso em mente, a felicidade é para ser vivida agora, e não depois, no céu. Temos que mudar a cultura do brasileiro, mas fico feliz que isso já esteja ocorrendo, quando vejo pesquisas que indicam que Eike Batista é um dos principais ídolos da garotada — disse ela, lembrando que cerca de cinco mil pessoas já moram no bairro, o terceiro mais caro do país, atrás do Leblon e de Ipanema.
Para muitos novos moradores da cidade, só a exuberante natureza da ilha não basta. Este é o caso de Marraiana Perez, proprietária do Marrah Home, loja de luxo em Jurerê. Apesar de reconhecer a qualidade de vida local, ela acha que ainda falta glamour ao bairro:
— Tem muita coisa aqui que parece de interior, faltam bons restaurantes, bons hotéis, precisamos de um Emiliano, de um Fasano. Tem muita loja feia, tem coisa que parece favelinha. Precisávamos ter tudo chique, branco e dourado, poderíamos ter uma “Beverly Hills” aqui.
Esse tipo de pensamento amedronta alguns nativos, que temem o fim de tradições como o jogo de dominó e o Curiódromo, centro de lazer com dois mil associados que levam seus curiós, alguns de R$ 20 mil, para passear e cantar. Novos shoppings, como o Continente Parque, mesmo fora da ilha, espera faturar com o luxo de marcas famosas do Rio e São Paulo, podem alterar costumes locais.
Mas a situação mais crítica é para os menos abonados. Este enriquecimento da ilha exclui os mais pobres, expulsos para o continente. Hoje é quase impossível encontrar trabalhadores mais simples que vivam perto das mansões. E isso mesmo com uma empregada doméstica ganhando R$ 2 mil por mês, ou diaristas cobrando de R$ 160 a R$ 200. Dalton Grabesh, um dos principais empresários do ramo imobiliário local, lembra que empreendimentos classe A se espalham por todas as praias da cidade, retirando moradores “nativos”.
— Aqui não tem jeito. Ou você fica rico ou sai da ilha — diz, informando que cresceram na última eleição candidatos que prometiam parques, praças e não saúde ou educação.
Mercado de barcos vai dobrar
Isso fará com que o mercado de barcos e iates no Brasil, por exemplo, que hoje movimenta US$ 800 milhões por ano, cresça ainda mais.
— Hoje temos cerca de 700 mil barcos de lazer no Brasil, o que dá uma média de um para cada 277 habitantes. Na França, a relação é 1/63, nos EUA 1/23 e na Suécia,1/7. Mas, em 2020, acredito que a relação brasileira estará 1/135, metade da atual, ou seja, vai dobrar o número de embarcações — Márcio Dottori, presidente do SP Boat Show.
Ricardo Nogueira, presidente da Associação Brasileira de Aviação Geral, afirma que até segmentos de maior luxo não crescem mais por causa de problemas estruturais. Sua associação representa 13 mil aeronaves no país, inclusive os jatos executivos:
— Com o crescimento da aviação comercial fomos renegados. As obras que vão surgir nos terminais vão piorar as restrições.

Fonte: O Globo

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